Minha história 1



As Origens

Casa onde nasci (foto de 1950) - hoje inexistente
Tentarei aqui colocar em uma "quase ordem" as descrições de fatos da minha história...
No decorrer do tempo pode acontecer que eu me lembre de algum fato que eu ache importante para fazer uma referência, então eu farei aqui e ali alguma inserção para acrescentá-lo.
Nos idos de 1934, meus pais se casaram e foram morar no sítio do meu avô, o espanhol Martin Bernabé, ali no Bairro das Araras. Sítio esse que ele havia comprado pelo ano de 1918.
Meu pai construiu uma casa de barrotes, como chamavam. Eram feitas as paredes de madeiras entrecruzadas e preenchidas com barro e sapé recortado, como dá para notar na foto ao lado, já em ruínas.
O Vale do Ribeirão das Araras

No ponto marcado é onde ficava a casa onde eu nasci. A rodovia que passa ao lado é a Rodovia Raposo tavares, que antigamente não passava por ali. Passava por dentro da cidade de Piraju.
A foto ilustrativa é do satélite do Google Earth.
Na sequência de fotos abaixo estão os meus avós maternos, meus pais e meus avós paternos:

Meu avô materno e a madrasta da minha mãe
O meu avô materno foi casado por três vezes, sendo que a minha mãe era a terceira filha do primeiro casamento.
A mulher que aparece na foto foi a segunda das madrastas de minha mãe.
A foto abaixo, à esquerda, apresenta meu pai e minha mãe, não sei dizer se na data do casamento ou no ano seguinte ao mesmo.
Meus avós paternos
Não tenho nenhum registro que faça referência a isso. Tudo o que sei é o que me foi dito verbalmente quando eu já era um rapazinho de pouca idade.
Meus pais
Na foto da direita são meus avós paternos. A minha avó faleceu quando eu deveria ter uns seis meses, motovo pelo qual eu não a conheci.
Nesse tempo do falecimento dela, meu pai foi morar na casa do meu avô. Infelizmente dessa casa eu não tenho nenhuma foto para poder colocar aqui como ilustração.
Procurarei, dentro do possível, em tudo aquilo que aqui relatar e que eu tenha alguma fotografia, colocar uma para ilustrar o texto.
Foto de 1936
Diziam meus pais que quando pequeno eu fui muito problemático em questão de saúde.
Talvez por causa de verminoses e por alimentação inadequada e falta de conhecimentos deles eu vivia meio vai e não vai.
Um ano e meio
Meu pai andava correndo atrás de "curadores" ( entenda-se curandeiros ) e um deles mandou que ele providenciasse leite de vaca para me "arribar", pois o leite da minha mãe era insuficiente. Leite de cabra foi proibido, pois então eu iria de vez.
Fato é que aí meu pai comprou uma vaca e deu início a uma criação pequena que ele manteve até o seu falecimento aos 63 anos de idade.
Meu tio Domingos (de quem eu era xará) foi quem me ensinou a fazer as primeiras continhas de somar e meu avô me ensinava a ler, o que eu fazia com o sotaque de espanhol, que era o que eu ouvia.
Eu catava todos os papéis escritos e caixas que conseguia e os levava para que ele me ensinasse a ler.

Escola

Quando eu fui para a escola, com seis anos e meio, em 1942, na fazenda do meu avô materno, eu já sabia ler e escrever uma grande quantidade de coisas. Motivo pelo qual eu passei do primeiro para o segundo ano com muitos elogios.
Porém, no segundo ano, não sei por que cargas d'água, eu comecei a ficar preguiçoso e não fazia as lições de casa. Aí a porca torceu o rabo (não era rabicó). Nas provas mensais eu ia mal e tirava notas baixas e, na prova final, estava com a folha sobre a carteira, simplesmente olhando para ela. Veio a professora, tomou-a e me mandou sair da sala.
Confesso que fiquei basbaque, mas que podia eu fazer? Eu na verdade não sabia nada mesmo e, não sei porque, estava alheio a tudo.
No ano seguinte veio uma outra professora e, para falar a verdade, nem sei se eu iria me recuperar. Parecia que eu estava aprendendo mais, mesmo meio sem vontade. Eu não estava nem aí para passar matérias a limpo. A professora cobrava, mas ficava tudo no borrador mesmo.
Mas ainda não foi aí. Fato é que meu avô, pressionado pelos bancos, pois ele era fiador de uma turma de uns caras que se diziam seus amigos e estes deram o calote, teve de vender suas terras para saldar os compromissos. Ficou praticamente sem nada e a escolinha acabou na metade do ano. Isso era 1944.
Como a cidade era distante e meu pai tinha receio de me mandar para a escola na cidade, passei o ano de 1945 na flauta. Lembro-me que nesse ano eu ia lá na prefeitura para pegar um papel com o qual a gente podia comprar alguma coisa como sal, querosene e, se não me engano, até farinha de trigo. Era o tempo da segunda guerra mundial e havia uma porção de coisas que eram racionadas e a venda era controlada pelo governo.
Dona Honória
Em 1946 meu pai resolveu que meu irmão também iria comigo para a escolinha da Vila Tibiriçá. Aí já tinha mais companheiros para ir estrada a fora, o Mário e o José Roberto, filhos da nossa vizinha Delfina e ainda o Wilson, meu primo que viera morar no sítio do meu avô paterno.
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Aqui eu coloco um parêntese para falar algo desse primo. Ele era quase da minha idade. Não chegava a ser um ano mais novo. Andávamos por ali pelas beiradas do ribeirão, onde havia alguns lugares que davam para a gente nadar.
Não sei se efeito da convivência, começamos a nos atritar.
às vezes ele estava em algum lugar e eu passava por perto, ele começava a desenhar cruzinhas no ar como quem dizia: "morra!". Eu ficava danado com aquilo. Xingava, mas nada o fazia cessar com aquele gesto.
Foi num dia em que eu ia passando e ele estava a uns cinquenta metros de distância e começou a fazer as ditas cruzinhas. Eu vi no chão, perto de mim, um caquinho de telha meio arredondado e plano, de uns cinco centímetros. Peguei esse caco de telha e o arremessei na sua direção.
O dito caco foi girando no ar e 'plaft'! Acertou bem em cima do seu nariz - se eu pretendesse fazê-lo, não o faria.
Ele saiu aos berros: "ai, ai, ai meu nariz! Ai, ai ai meu nariz!" e foi correndo para sua casa.
A minha mãe escutou e veio ver do que se tratava e, é lógico, me deu umas 'broncas'. Eu poderia ter-lhe acertado um olho e aí o caso teria sido mais grave.
Não precisa dizer que ele ficou sem falar comigo um longo tempo. Nem chegava perto de onde eu estava.
Lila, Herivelto, eu e Wilson
Mas o tempo cuidou de consertar as coisas e ele voltou depois a falar comigo. Daí tornou-se o meu maior amigo e companheiro.
Passado algum tempo, meu tio arrendou um sítio a uns dois quilômetros dali, ribeirão acima e se mudou. Mas a nossa amizade continuou.
Depois de mais um tempo o meu tio foi trabalhar na Fazenda do Estado, no Município de Manduri. Aí nos encontrávamos mais raras vezes.
Eu , em 1956, vim para São Paulo e só o reencontrei em 1964, quando fui, já depois de casado, a passeio em Piraju.
Ele era apaixonado por uma moça que era filha de um homem que tinha um sítio vizinho ao do meu pai, porém ele era muito tímido e não tinha coragem de falar com ela. E por esse motivo, não sei se ela se casou, ele acabou perdendo a razão e alienou-se do mundo, vindo a falecer alguns anos mais tarde.
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Vou dizer aqui que me lembrei de dois fiéis cães que meu pai tinha, quando eu teria mais ou menos uns onze ou doze anos. Eram dois cães sem raça definida, desses que costumam chamar de vira-latas. Mas eles não viravam latas, pois lá no sítio não as havia para tal.
Um se chamava Buck, era de pelagem preta, porte médio e gostava de estar junto do meu pai. O outro se chamava Vinagre por causa da sua cor marrom claro e costumava andar junto com o outro, que era mais velho.
Meu pai tinha umas cabeças de gado, umas 18 ou vinte, que pastavam num pasto de mais ou menos uns três alqueires. A alimentação desse gado era complementada por cana de açúcar de uma variedade chamada "cana de burro".
Sempre havia umas duas a quatro vacas que davam leite e por isso à tarde, lá pelas 14 horas tinham de ser separados os bezerros em um pequeno piquete para poder fazer a ordenha na manhã seguinte.
Meu pai chegava na porteira do curral e dava um grito ou um assobio e lá iam os dois cachorros correndo até onde estava o gado. Com meia dúzia de latidos, circundavam a manada e depois saiam à frente e o gado os seguia até o curral. Isso éra uma rotina diária, todos os dias da semana. Era todo o trabalho desses dois cães.
Num certo dia, não sei por que cargas d'água, os dois cachorros amanheceram paralizados e não conseguiram se levantar. Morreram os dois no mesmo dia. Fiquei com pena ao ver os dois cães tão amigos agonizando.
Eu ainda sinto saudades de ambos com aquela sua labuta diária.
Acho que estou velho mesmo com essas lembranças lá do passado. Mas eu me lembro.

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Agora volto a falar da escolinha. 
A professora dessa escolinha era muito legal e me ajudou muito. Chamava-se Dona Honória Alves Ferreira.
Digo que ela se empenhou tanto em me ajudar a recuperar o tempo que eu havia perdido que acabou até me prejudicando, pois após eu concluir com ela o segundo ano primário (pela terceira vez), fiz o o terceiro ano, findo o qual ela mandou a sua empregada me buscar lá no sítio, ainda nas férias, e me fez estudar uns dias em sua casa e me inscreveu no exame de admissão ao ginásio.
Estudei especificamente para a prova, sem fazer o quarto ano, cuja matéria eu não aprendi e sem fazer o cursinho para admissão, como todos faziam.
Fiz o exame e passei, matriculando-me na primeira série ginasial.
Aí então comecei a penar. Passei a primeira série num afunda-não-afunda e, não sei como, consegui nota para passar para a segunda série, na qual também penei pelo menos no primeiro semestre.
Como me fazia falta a matéria que não aprendi no quarto ano que não fiz.
Depois comecei a deslanchar e fui em frente.
O ginásio em que estudei
12 de dezembro de 1951
Num belo dia, não me lembro em qual matéria, dou de cara com aquela professora que não me havia permitido fazer a prova lá no segundo primário. Ao me ver ela exclamou: "Você aqui!?!?". Eu apenas lhe respondi: "Eu mesmo."
Eu ia para a escola no meu cavalo tordilho. Ele era tão acostumado com a rotina diária que um dia meu pai saiu para pegá-lo no pasto para encilhar, depois de dar uma espigas de milho para ele comer, e não o encontrou. Vinha voltando para dizer que não o achara e, ao chegar no portão para sair do pasto, deu de cara com o cavalo que andara atrás dele e ele não notara.
Eu o deixava no quintal de uma senhora que era madrinha do meu pai, a Mônica Bernabé Garrote, até a hora que eu voltava da escola, lá pelo meio dia ou meio dia e meia, conforme as aulas que eu tinha.
Uma certa manhã eu descia a estrada que liga a Vila Tibiriçá à cidade, quando de repente ouvi um estampido como se alguém houvesse dado um tiro com uma arma de fogo. Fiquei meio assustado, pois um tiro dado assim a esmo é um perigo daqueles. Ao terminar de fazer a última curva da descida vi uma correria na seção de transformadores da usina que há ali logo na entrada da cidade.
Eu e meu cavalo na carroça
Homens com paus e bambus tentavam afastar o corpo de um homem que havia dado um esbarrão num dos cabos de para-raios do transformador e estava caído ali no chão. O corpo queimava e aquele
Descida para a cidade
cheiro de queimado me penetrou nas narinas de forma que eu fiquei meses impressionado com a cena.
Esse homem era o zelador da usina. E, apesar do choque violento (66.000Volts) e a metade do corpo queimada, só veio a falecer vinte e quatro horas depois no hospital da cidade.
Fiz essa vida até o dia 12 de dezembro de 1951, data em que eu recebi meu certificado de conclusão do curso ginasial.
Cabe aqui um pequeno parêntese para dizer que naquele dia 12 de dezembro de 1951 eu fui receber o meu certificado de conclusão do curso ginasial sozinho. Meus pais não se achavam em condições de me acompanhar a essa festa de tantos, que não era festa para mim. Sequer uma roupa mais decente para me acompanhar no auditório da escola. A situação era de pobreza mesmo.
Recebi o canudo das mãos da Dona Honória, que compareceu lá e a quem eu sou grato.
Eu vestido naquele terninho azul, que meu pai me havia comprado, e com gravatinha borboleta só fui até ali. não participei do baile de formatura. Simplesmente tirei aquela foto como recordação.
Ao voltar para casa, tomei uma baita duma chuva que fez a tinta do terno tingir a minha camisa branquinha que meu pai me havia comprado para esse dia.
Voltei à vida de rapazote pobre lá do sítio.
Como na cidade não havia emprego praticamente para ninguém, os poucos que apareciam eram favas contadas e já tinham os seus indicados, continuei trabalhando ali mesmo no sítio, com meu pai.
Quando meu pai não tinha serviço ou tinha pouco, eu saía para trabalhar nas vizinhanças por dia, a capinar roça, ajudar nalguma colheita. Fazia o serviço que aparecesse e recebia alguns trocados por isso.
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Aqui eu abro um parêntesis para falar sobre a solidão da alma.
Naquelas tardes de fim de semana, eu passava por momentos críticos de solidão. Saia às vezes a vaguear pelos arredores. Não gostava muito de ir à cidade. Nada tinha a fazer lá se não uma vez ou outra comprar uma revista ou um jornal, os quais eu ficava lendo e relendo por semanas, pois não tinha outra coisa a fazer depois do anoitecer até a hora de dormir.
Ficava noite a dentro, com uma lamparina a querosene, a ler o que me caísse às mãos e a tentar escrever alguns textos, que depois eu amarrotava todos e jogava fora. Pena que não guardei nada para posterior aproveitamento.
Cheguei a escrever um pequeno conto cujas personagens eram um porco, Chico Leitão, um urubu, o Zé Urubu e um cão cujo nome não mais me ocorre. Um outro tinha o título de Mimi o Bonitão, cuja personagem era um gato.
Este último eu mandei para uma editora aqui de São Paulo e tive como resposta que não poderiam aproveitar porque o quadro de colaboradores já estava completo. Vê lá se iriam aceitar coisas escritas (e muito mal) por um capiau lá do meio do mato! Apenas agradeceram.

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Caçadores de capivaras
O meu cavalo continuava sendo o meu companheiro de quase todos os dias. Pena que eu não tenho uma foto dele que seja boa para colocar aqui, porém coloco uma que tenho e que está acima, neste texto.
Os caçadores de capivaras
Havia ali no bairro uma meia dúzia de homens que viviam à caça de algumas poucas capivaras que se aventuravam a andar por ali pelas beiradas do Ribeirão Araras.
Na foto que ilustra estão eles com suas caças. Eles passavam na minha casa para pedir que os fotografasse com suas façanhas.
E eu ia levando essa vida, que não me parecia de futuro. A idade avançando e eu ali naquele lugar sem vislumbrar nenhum progresso. Isso ia lá pelo ano de 1955.
Aquelas tardes eram tristes. Eu olhava o horizonte e via o sol a desaparecer e deixar aquele avermelhado no céu, por entre as nuvens.
Logo mais começaria a cintilar no alto o planeta Vênus e a noite se fazia presente. Confesso que dava um certo nó na garganta, pois eu não vislumbrava o que seria o amanhã... Não havia uma perspectiva de vida.
Era tudo muito pacato. Não saia daquela lenga-lenga de todos os dias.
Aqui, neste ponto talvez eu ainda consiga encaixar alguma história de que venha a me lembrar algum dia se der tempo.


Pandemia e pandemônio

Já faz um tempino que não coloco nada no meu blog. Preciso dar uma arualizada nele. Mas agora eu fico até "aperriado" devido a ...