Mudança de rumo
Num desses dias eu e o meu irmão João estávamos a colher milho para um vizinho que morava do outro
lado do Ribeirão Araras. No meio da roça de milho, como era comum
naquelas terras velhas por ali, havia muito carrapicho daquele do tipo
gramínea, que tem nas suas pontas umas garras que ao penetrar na pele
fica preso à mesma. A roupa ficava tão impregnada com essa praga que, se
a gente pusesse encostada num lugar ela não caía, ficava parecendo uma
couraça. E havia um outro que dava uma semente parecendo uma cabeça de
boi, com duas hastezinhas que quando caiam dentro da botina espetava
nos pés e causava uma dor aguda terrível.
Velha casa onde eu morava |
Ao chegar à tarde em casa após o dia de trabalho,
estava lá um primo de minha mãe, o Sebastião Aranha, que morava em São Paulo e trabalhava no
Instituto Modelo de Menores e, ao ver-nos, eu e meu irmão que também
trabalhava comigo, ficou pasmo com aquela nossa situação.
Nós
tirávamos a roupa e tínhamos de raspar com uma faca para poder tirar
aqueles espinhos, mas as garrinhas ficavam grudadas na roupa e quando se
ia vestir novamente lixava-nos a pele, que infeccionava e ficava cheia
de feridas.
Esse primo da minha mãe, sugeriu-me vir para São Paulo e arranjar um emprego por aqui que, mesmo
que fosse um salário mínimo seria mais confortável do que lá. Isso era
pelo mês de setembro de 1955.
Eu num fim de semana |
Fiquei balançando com aquela sugestão e até o final do ano eu não havia decidido.
No
início de fevereiro do ano seguinte, 1956, chegou por lá uma tia minha,
meia irmã de minha mãe, Maria Lúcia e quando estava prestes a voltar
para São Paulo, onde trabalhava, sugeriu-me que viesse com ela e ela me
levaria até o Sebastião.
Foi então que na tarde de 25 de fevereiro
eu me despedi de meu pai e minha mãe e com uma malinha nas mãos com a
pouca roupa que eu tinha fui tomar o trem para a cidade grande. Meus
irmãos sumiram na hora que eu saí e eu não me despedi deles. Meu pai
ficou triste e minha mãe, para variar, chorando com a minha partida. Os meus irmãos nessa hora não sei onde foram parar, pois eu saí sem me despedir deles, coisa que até hoje eu me recrimino.
Frente atual do antigo Instituto Modelo de Menores |
Fui para a casa da minha madrinha Ana, na cidade, de
onde partiria com a minha tia para a minha aventura. Ali esperei até
umas nove horas da noite, quando chegou o noivo da minha outra tia,
Tereza, com um caminhão e que nos levaria para tomar o trem em
Bernardino de Campos por volta de umas dez horas e meia.
Quando
veio o trem, eu e minha tia Maria Lúcia, entramos num dos vagões de
segunda classe. Por sinal estava superlotado, pois o mesmo já havia
percorrido até ali mais de uns trezentos e cinquenta quilômetros.
Viemos
em pé até pelo menos as proximidades de Botucatu, onde desceram algumas
pessoas e minha tia conseguiu um lugarzinho para se sentar.
Eu
mesmo só consegui me sentar quando já estava se aproximando de São
Paulo, onde chegamos mais ou menos por volta de umas oito e meia da
manhã.
Esperava-nos o noivo da minha tia, o Álvaro, que morava e trabalhava em São Paulo. Era a manhã do dia 26 de fevereiro de 1956.
Saimos
da estação e tomamos um ônibus que ia para as bandas da Lapa. Rua
Tonelero, Vila Ipojuca. Era a casa de um irmão do cunhado da minha tia,
onde ela morava de pensão.
Ali descansamos depois de um ligeiro
desjejum e ficamos até o Almoço. Depois saimos para tomarmos o bonde
Penha Lapa para irmos até a Avenida Celso Garcia, onde trabalhava o
Sebastião Aranha, o primo da minha mãe.
Isto era num domingo e,
por sorte, ele trabalhava aos domingos, tendo folga na segunda-feira.
Hoje eu imagino o que seria se nós não o encontrássemos no trabalho,
pois eu não tinha o endereço da casa dele. Não sei onde eu iria ficar até conseguir encontrá-lo.
Chegamos à Avenida Celso Garcia, número 2593 e, na portaria ele veio nos receber.
A
minha tia e o noivo me deixaram ali e se foram. Eu nunca mais a vi. Ela
se casou e voltou para Piraju, indo seu marido o Álvaro, trabalhar na
USELPA. Soube que ele veio a falecer anos depois e, segundo ouvi, minha
tia Maria Lúcia mora agora na região, ou na cidade, de Ourinhos, bem
como a sua irmã Tereza.
O Sebastião me levou lá para dentro do
Instituto, onde ele trabalhava na Biblioteca e me arranjou uma cama para
eu descansar, o que eu não consegui, devido à agitação.
Quando
chegou por volta das seis e meia da tarde, ele encerrou o expediente e
fomos até onde trabalhava a sua esposa Elvira, que era lá no Jardim
Paulista e de lá fomos para a casa em que ele morava, na Rua Vacanga,
numa tal de Vila Fernandes, num alto depois da Vila Carrão, próximo ao
cemitério de Vila Formosa.
A Elvira era uma mulher muito prestimosa. Ela era alemã e havia trabalhado como enfermeira do exército do Hitler na segunda guerra. Dizia que foi presa por duas vezes e levada a campos de concentração do exército russo e nas duas vezes conseguira fugir.
Foi mais uma vez presa pelos americanos, que segundo ela eram mais humanitários para com os prisioneiros. Quando a guerra terminou ela veio com a mãe para o Brasil, deixando lá, em Berlim, uma irmã. Veio primeiro para a Argentina e depois para o Brasil.
A casa deles era uma casa simples com dois cômodos e
uma cozinha e banheiro do lado de fora. Um dos cômodos era separado e
ele não usava. Estava repleto de madeiras e coisas do dono da casa, que
morava lá pelo Vale do Paraíba. A água era de poço e para a gente tê-la
no banheiro era necessário encher a caixa com um balde.
A descarga do sanitário ia para uma fossa na beira da rua, que à época não tinha sequer guia e era de terra batida.
Fiquei
morando ali com eles desse dia 26 de fevereiro de 1956 até o final do
ano de 1958, quando me mudei para a pensão da Dona Amélia, na Rua
Tuiuti, próximo de onde eu vim a trabalhar.
Já na segunda feira, dia 27 de fevereiro de 1956, comecei a minha procura por emprego.
Foi
uma coisa muito difícil, pois a única coisa que eu sabia fazer era
trabalhar na roça, lugar de onde saí. Passei um mês procurando e em
todos os lugares em que comparecia não era aceito pelo fato de não ter a
mínima experiência no que quer que fosse. Precisei pedir um reforço de
dinheiro a meu pai e ele me mandou através do Tomaz Sanches, a pessoa
para quem eu estava trabalhando quando vim embora.
Eu já estava
quase para desistir, quando o Sebastião resolveu falar com o João
Medeiros e o Wilson Leme, que trabalhavam à noite num colégio no Bairro
do Brás. Se não me engano, Colégio Domingos Faustino Sarmiento.
Eles
lhe mandaram conversar com o Gerardo Provenza, que era chefe de pessoal
na Superba S/A - Grande Indústria de Artefatos de Borracha. Ficava na
Rua Tuiuti, número 626, no Tatuapé e que hoje não existe mais
Deu sorte. Admitiram-me na empresa, onde viria a trabalhar até 9 de novembro de 1962.
O início ali foi difícil. Eu não tinha carteira profissional e não conseguia tirá-la porque não tinha o certificado de reservista.
Eu havia requerido o certificado lá em Piraju ainda, bem antes de vir para São Paulo, mas o requerimento, creio eu, nem veio para os lugares devidos, pois passei meses à espera e não recebi.
Fiz novo requerimento aqui na junta de alistamento militar, nos baixos do Viaduto Jacarei, e vim a receber o certificado pelo fim do mês de abril. Enquanto isso, semanalmente eu tinha de tirar uma licença provisória para trabalhar numa repartição do Ministério do Trabalho que ficava na rua Vasco da Gama, no Brás.
Então, com o certificado nas mãos, cujo número (147709) ficou gravado em minha mente até hoje, eu tirei a carteira profissional e pude ser registrado na empresa.
O início ali foi difícil. Eu não tinha carteira profissional e não conseguia tirá-la porque não tinha o certificado de reservista.
Eu havia requerido o certificado lá em Piraju ainda, bem antes de vir para São Paulo, mas o requerimento, creio eu, nem veio para os lugares devidos, pois passei meses à espera e não recebi.
Fiz novo requerimento aqui na junta de alistamento militar, nos baixos do Viaduto Jacarei, e vim a receber o certificado pelo fim do mês de abril. Enquanto isso, semanalmente eu tinha de tirar uma licença provisória para trabalhar numa repartição do Ministério do Trabalho que ficava na rua Vasco da Gama, no Brás.
Então, com o certificado nas mãos, cujo número (147709) ficou gravado em minha mente até hoje, eu tirei a carteira profissional e pude ser registrado na empresa.
Meu Primeiro emprego
Fui admitido no dia 9 de abril de 1956.
Estava
trabalhando ali quando saiu um concurso para a Guarda Civil do Estado
de São Paulo e então eu me inscrevi e faltei uns dois dias para fazer as
provas para a admissão na mesma. Fiz as provas físicas e fui aprovado,
passando a fazer os exames médicos. Fui passando até que chegou o exame
de vista, que me reprovou por causa de uma ambliopia no olho direito,
que ali se revelou.
Retornei à fábrica e então o Senhor Virgílio
Fialho, encarregado da seção em que eu trabalhava pediu ao chefe de
pessoal que me dispensasse. Este, o Senhor Gerardo Provenza, se recusou a
fazê-lo, sob a alegação de que eu tinha todo o direito de procurar
minhas melhoras na vida. Sou grato ao senhor Gerardo Provenza por ter
agido dessa forma em meu favor.
Permaneci na fábrica, mas praticamente já "queimado". Eu era considerado uma persona non grata.
O
meu serviço ali era colar lâminas de borracha em peças de malha de
algodão para a confecção de galochas. Depois de um certo tempo, entrou
um novo operário na seção e aí eu fui delocado para um outro serviço,
ficando ele no serviço até então feito por mim.
Lila 1957 (e o sorriso que me cativou) |
Fui para o lugar onde eram tiradas as galochas da
forma depois de vulcanizadas. Aí eu recebia pressão do encarregado para
retirar as formas ainda quentes para serem redistribuidas, o que não era
lá muito agradável. Mas aí eu tinha um ajudante, que trabalhava no
corte de solas para a montagem numa prensa que chamavam de balancim. Era
o José Fernandes, a quem chamavam de o Zé do Balancim. Geralmente ele
me ajudava depois do almoço, quando terminava o seu serviço.
Numa
manhã, já em 1957, fins do mês de maio, eu estava distribuindo formas e
ao chegar em um dos pontos de distribuição das mesmas, levantei os olhos
e vi uma fisionomia sorridente cujo olhar se cruzou com o meu. À
primeira olhada me pareceu que era um rapaz, pois estava com uma blusa
cinza, que lhe disfarçava os seios e usava o cabelo cortado bem
curtinho.
Todavia, numa segunda olhada, verifiquei que tinha os
lábios pintados e então conclui tratar-se de uma jovem mulher. Abriu um
ligeiro sorriso e me fisgou.
Mas passaram-se muitos dias até que
eu tomasse coragem e vencesse a minha timidez. Numa tarde perguntei a
ela se me permitiria que a acompanhasse até o ponto do ônibus. Ela
acedeu e na saída eu a acompanhei.
Só que ao invés de ir até o
ponto de ônibus ali na Avenida Celso Garcia, fomos pela avenida a fora
até a Avenida Penha de França, na Penha. Só uns quatro quilômetros.
Daí
até eu conseguir dizer a ela que minha intenção era namorar e não
apenas uma mera companhia foi um longo tempo. E isso só aconteceu lá
pelo mês de setembro.
Eu havia dito que pretendia falar-lhe algo
importante. Quando estávamos terminando de subir a ladeira da Penha, já à
frente da porta da igreja, ela me cobrou:
- O que é que você queria falar comigo?
Quando comecei a namorá-la |
- Eu queria namorar com você, respondi.
- Só se for com a intenção de casamento, respondeu ela, para passa-tempo não.
Como eu afirmei que a intenção era o casamento, ela consentiu, e daí prosseguimos.
Lá
pelo final do ano ela me disse que eu deveria ir falar com seu pai.
Naquele tempo havia esse costume e eu fui num domingo. Não me lembro se
de manhã ou à tarde.
Falei então com o seu pai e ele também disse que se
fosse para casar poderíamos namorar. Do contrário não haveria
consentimento. E namorar naquele tempo era realmente namorar. Não havia
nesse meio as relações sexuais, como infelizmente hoje acontece, pois se
o namoro acabasse, não haveria nada que desabonasse a moça.
Cobrou-me ele até quanto tempo levaría para realizar o casamento.
Propus
que deveria ser uns dois anos. Felizmente as coisas caminharam bem e
marcamos o nosso casamento para o dia 17 de outubro de 1959.
No
entanto, nesse ínterim havia pressões pressões sobre ela para que
acabasse com o namoro, pois ninguém conhecia a minha família, o que
realmente era uma verdade.
Mas fomos até o final e, quando chegou a
data que havíamos previsto, realizamos o nosso casamento na igrejinha
de São Geraldo, que ficava sobre um barranco, às margens da Avenida
Guarulhos, na Ponte Grande.
Casamento
Capelinha onde nos casamos |
Foi um casamento simples. Nem me lembro se havia
tapete na igrejinha. Sei que órgão não havia e a Ave Maria foi tocada
com um disco de 78 rotações numa vitrolinha velha em que aparecia mais
chiado do que a música.
Dali fomos para um salão no alto do Jardim
Munhoz, onde fizeram um baile para o pessoal dançar. Como não
dançávamos, ficamos os dois ali sentados até umas 3 e meia da madrugada,
quando os padrinhos dela nos levaram para onde íamos morar e onde seria
a nossa lua-de-mel, pois não havia dinheiro para viagem.
Fomos morar num porãozinho da Rua Coronel Carlos Oliva, número 277, no Tatuapé, São Paulo.
Ganhando
pouco como ganhávamos, a vida não nos foi fácil. O nosso salário era
igual. O que um ganhava era para pagar o aluguel do cômodo em que
morávamos. E o que o outro ganhava era para pagar o que tínhamos de
comer e algum resto de dívidas das coisas que compráramos.
Assim
fomos na batalha por quase todo o tempo, até ficarmos livres das dívidas
do casamento. Era uma correria às quintas-feiras, dia em que tinha uma
feira na nossa rua e na hora do almoço era o tempo que tínhamos para
comprar os montes e baciadas das coisas de comer durante a semana.
A minha noiva |
Fui
vivendo como persona non grata ali na Superba. Em janeiro de 1960
quebrou-se uma prótese fixa que eu tinha na arcada dentária superior e
eu tive de faltar por dois dias devido à cirurgia que tive de fazer.
Tive de extrair todos os dentes da parte superior de uma vez só. O
encarregado geral da fábrica queria por toda a maneira me suspender do
trabalho, mesmo eu tendo apresentado o atestado do cirurgião dentista.
Houve polêmica com o sindicato e ele não me suspendeu.
Fui
trabalhando ali, naquele serviço e procurei fazer um curso de solda no
SENAI. Fiz o teste e consegui uma das primeiras classificações. Na hora
da matrícula pediram-me euma referência que dissesse que eu trabalhava
na mecânica da empresa. Solicitei ao diretor da mesma, todavia ele me
negou, alegando que depois eu poderia usar contra a mesma. Não pude
fazer o curso de solda.
Em 1960 e 1961 eu fiz um curso básico de
tornearia mecânica na antiga Escola Técnica Getúlio Vargas da Rua
Piratininga. Deveria, para concluir, fazer um terceiro ano, mas houve
uma reformulação na estrutura dos cursos e eu não pude concluir.
Lá
pelo fim do ano de 1962 fui designado para controlar as vulcanizações
dos sapatos, botas e galochas pelo período de férias do funcionário que
fazia isso. Era um serviço onde era necessário muito cuidado, pois era
tudo feito na alta pressão e vapor.
Nesse local encontrei uma
folha do jornal A Gazeta Esportiva e li um anúncio da Olivetti
Industrial que recrutava pessoas para sua assistência técnica na área de
máquinas de escrever. Guardei aquela folha e numa conversa com o
encarregado da seção pessoal, que a esta altura era o Senhor José
Cesaroni Filho, mostrei-lhe o referido anúncio. Ele mais que depressa me
incentivou a que fosse procurar.
Ele mesmo entrou em contato com o
Serviço de pessoal da Olivetti e marcou uma entrevista para mim. Isto
foi numa quarta-feira. Na quinta à tarde fui para a entrevista e o
encarregado de pessoal da Olivetti me mandou que comparecesse na
quarta-feira, dia 14 de novembro, na sede da filial São Paulo.
Na
sexta feira, pela manhã, falei com o senhor Cesaroni e à tarde ele foi
comigo para dar baixa na carteira profissional na junta de consiliação e
julgamentos, na rua Rego Freitas, para me liberar. Aí eu tinha seis
anos e oito meses de trabalho na Superba, que eu deixava.
Sou grato também ao Senhor José Cesaroni Filho por essa sua atitude para comigo. Não fora ele eu continuaria ali a ganhar uma merreca até a falência daquela fábrica que algum tempo depois aconteceu.
Minha esposa continuou a trabalhar lá e depois se afastou para cuidar do nosso filho, e isto a prejudicou muito, pois mais tarde não conseguiria uma aposentadoria por falta de tempo de serviço e mesmo por idade pelo fato de estar como minha dependente na Receita Federal.
Este fato só veio ser revertido, quando veio até minhas mãos um e-mail de um advogado de Santo André, o Dr Fábio Montanhini,que eu contatei.
Ele fez uma lista dos documentos necessários. Eu os levei para ele. Ele deu entrada no INSS e a aposentadoria saiu de imediato. Ela tinha direito, mas a ela não era informado como proceder.
Sou grato ao Dr. Montanhini.
Este fato só veio ser revertido, quando veio até minhas mãos um e-mail de um advogado de Santo André, o Dr Fábio Montanhini,que eu contatei.
Ele fez uma lista dos documentos necessários. Eu os levei para ele. Ele deu entrada no INSS e a aposentadoria saiu de imediato. Ela tinha direito, mas a ela não era informado como proceder.
Sou grato ao Dr. Montanhini.